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A ágora da blogosfera mundial

468 participantes de 23 países e 17 estados brasileiros; dois dias de intensas discussões, ricos debates, instigantes reflexões, trocas de experiências, práticas e visões: é o balanço do 1º Encontro Mundial de Blogueiros (#BlogMundoFoz), que aconteceu em Foz do Iguaçu (Paraná) de quinta-feira, 27, a sábado, 29 de outubro.

A pegada mais forte que esta animada, diversificada e criativa ágora antropodigital me deixou foi a sensação de que o universo das mídias sociais – que se reconfigura permanentemente em ritmos vertiginosos, é poliédrico,  pluridirecional, multifacetado e marcado pela imprevisibilidade – está muito longe de ter manifestado a maioria de suas (talvez imponderáveis) potencialidades. Mas, sobretudo, o encontro fortaleceu minha íntima convicção de que a interação/hibridação entre sujeitos humanos e tecnologias digitais de comunicação, agentes mestiços em incessante reconfiguração mútua, pode – ao contrário do que alguns pensam – ser um fator promotor de mudanças em direção a uma sociedade – e incluo nesta expressão não apenas os humanos, mas todos os não-humanos, vivos e não-vivos que participam de sua redefinição permanente – mais aberta, mas participativa, mais horizontal, mais diversa, mais polifônica, quiçá mais feliz.

Tema: O papel da blogosfera na construção da democracia

Pensadores como Ignacio Ramonet e Pascual Serrano mostraram que, como tudo o que é do domínio da matéria e da vida, no ciberespaço tendências opostas convivem, se entrelaçam, se alimentam mutuamente e, ao invés de se excluírem, se complementam. Quanto mais nos comunicamos; quanto mais compartilhamos ideias, emoções, experiências; quanto mais nos mobilizamos e articulamos em rede; quanto mais nos conectamos uns aos outros mais enriquecemos grandes conglomerados empresariais cujos lucros se alimentam de nossa vontade de estar juntos e de participar da vida comum. Quanto mais democratizamos o acesso à informação quebrando o papel tradicional de emissor e receptor, mais somos vigiados, controlados, censurados, invadidos em nossa privacidade por empresas, profissionais de marketing e governos. Quanto mais nos aproximamos, mais nos afastamos. Quanto mais informação independente fazemos circular, mais aumentamos o ruído informativo. Quanto mais pessoas saem às ruas de forma espontânea, horizontal e auto-organizada criando novas sociabilidades, mais vazia – às vezes – é a cabeça dessas pessoas de conteúdos significativos com um real potencial transformador. Quanto mais pessoas se reúnem para partilhar suas experiências em mídias sociais, mais aumenta a censura de empresas que lucram com tais partilhas, como aconteceu no próprio encontro de Foz do Iguaçu cuja hashtag #BlogMundoFoz foi deliberadamente excluída dos trend topics brasileiros (a lista dos assuntos mais comentados pelo Twitter).

Mas, como seres complexos e contraditórios que somos, não devemos nos admirar nem muito menos nos assustar com isso: o real não é coerente, homogêneo e unívoco; não o é o mundo da matéria; não o é o mundo vivo; não o é o domínio do humano. Por que, então, o seriam o universo das mídias digitais e as hibridações que tecemos com elas? Assumirmos a contradição, a multiversidade das tecnologias digitais de comunicação é o primeiro passo rumo a formas de interação com elas – e de interação entre nós mediada por elas – capazes de traçar caminhos de emancipação geo-bio-antropológica.

Experiências como as da Primavera Árabe, dos movimentos de #indignados que estão promovendo nos cinco continentes acampamentos auto-organizados, articulados pelas redes sociais e com o único propósito de dizer aos poderes constituídos e ao resto da sociedade que algo está errado no modelo de desenvolvimento que adotamos, experiências que foram quase todas representadas e compartilhadas no #BlogMundoFoz, nos mostram que é possível construir pelas, nas e com as mídias digitais práticas sociais, relações interpessoais e – acrescento eu – também interações homem-ambiente baseadas em pressupostos emancipatórios: reciprocidade; escuta sensível do outro; partilha; generosidade; desinteresse; horizontalidade; participação direta; diálogo entre saberes.

Debates como sobre as legislações sobre comunicação e sobre mídias digitais em diferentes países fizeram emergir com clareza a consciência da blogosfera de que os Estados e as sociedades das quais são parte, de mãos dadas, precisam promover e implementar marcos regulatórios abertos, plurais e flexíveis, mas pautados em princípios claros como transparência, democracia participativa e ausência de censura que favoreçam o despertar e a expressão das múltiplas potencialidades das mídias sociais.

O encontro, que se concluiu com a aprovação da Carta de Foz do Iguaçu, a qual sintetiza os princípios e reivindicações que pautaram as discussões, foi para mim, acima de tudo, um sinal. O sinal de que milhões de pessoas, em cada rincão da nossa grande casa comum hibridando-se com tecnologias digitais de comunicação, estão construindo novas formas de comunicar, de ser, de participar da vida coletiva, de viver. Essas pessoas estão se unindo, trocando experiências, articulando-se, criando novos espaços digitais e sociais, prospectando novas possibilidades de sociedade, de homem e de natureza. Até onde este movimento irá não dá para saber. O que sei é que está em caminho e que será difícil detê-lo.